Iluminais
Pesquisas sobre tradição oral e maravilhas literárias
Trecho de Le livre des chemins: contes de bon conseil pour questions secrètes
Para guardar no baú do contador
Trecho de "Achadouros" de Manoel de Barros
Guimarães Rosa – Trecho de Campo Geral
"Mãe, que é que é o mar, mãe? Mar era longe, muito longe dali, espécie de lagoa enorme, um mundo d'água sem fim. Mãe mesma nunca tinha avistado o mar, suspirava. 'Pois mãe, então o mar é o que a gente tem saudade?..."
Cantos de Trabalho - Cia. Cabelo de Maria
As cantigas apresentadas no CD vêm das destaladeiras de fumo de Arapiraca (AL), das descascadeiras de mandioca de Porto Real do Colégio (AL), das plantadeiras de arroz de Propriá (SE), da farinhada da comunidade de Barrocas (BA), da colheita de cacau de Xique-Xique (BA), da bata do feijão de Serrinha (BA) e das fiandeiras de algodão do Vale do Jequitinhonha (MG)….”
Conto histórias porque
Os segredos da aranha
O primeiro Encontro em Roda no Núcleo Rural Córrego do Urubu foi assim...
A história de nosso primeiro Encontro em Roda é a história de como descobrir que uma criança e uma senhora tornam-se iguais brincando de pique-esconde... que as crianças ainda apreciam muito o gosto da cana-de-açucar nesse mundo cheio de confeitos artificiais... que as histórias são mais que passa-tempo e guardam significados que alimentam nossa fé... que aprender os passos de uma dança é nos permitir brincar se privilegiarmos a busca da descontração mais que a perfeição... que a Roda é um espaço que abriga nossos dons e talentos... que em nossa comunidade tem gente que faz coisas bonitas que podem virar presentes... enfim, que o encontro pode nos remeter a algo do essencial.
Não éramos muitos, mas experimentamos um encontro gostoso. Primeiro chegamos eu, Ananda e Julia, escolhemos um bom lugar e adornamos o centro da Roda carinhosamente. Ananda coletou pétalas de flores e rosas para enfeitar e colorir o centro. Logo chegou a Cida e conversamos um pouco sobre a vida, sobre contar histórias. A Cida contou que está fazendo um curso de leitura dramática e poética. Depois de segurar e brincar com a Julia, Cida foi brincar de pique-esconde com a Ananda. Gente! Que encontro! Ananda e Cida, uma criança e uma senhora que encontraram–se numa idade fora do tempo, as duas eram iguais brincando de pique-esconde, desde que não se considere a velocidade da Ananda para correr que deixa a maioria dos adultos no chinelo. Pude testemunhar com meus próprios olhos que, quando nos permitimos brincar, a alegria e o riso não mudam muito com a diferença de idade.
Depois chegou a Chandra bonita e animada. Contou que estava na Torre de TV vendendo roupas e acessórios. Ela vende lenços que a mãe manda da Índia e calças saruél que ela corta e a costureira arremata. Entrem no blog www.kailasharts.blogspot.com para conhecer o trabalho da Chandra. Quem sabe pode virar um presente para alguém? Quem sabe esse alguém é você mesmo(a)? Quem sabe possamos fomentar uma economia dentro de nossa comunidade?
Logo mais chegou a Lili, que não mora no Urubu, é minha irmã, e a meu convite veio colorir nossa roda comunitária com seus filhotes Ive e Ian. Neste momento Cida já cortava umas canas que havia ganhado de alguém no dia anterior e estavam escondidinhas em algum cantinho da Oca. As crianças a rodearam, todos provaram da cana, que estava tão concorrida que nem dava para começar a roda. Depois de todas a “lumbriguinhas” acalmarem-se, sentamo-nos em roda, eu, Ananda, Cida, Chandra, Lili, Ian e Ive. Julia passeava pela Oca com o Sérgio que chegou nesse meio tempo para cumprir a missão de cuidá-la. Era hora da história, mas essa não dá para contar aqui. Eu contei uma, a Lili contou outra dizendo que era uma história muito significativa neste momento de sua vida, uma história sobre fé. Chandra nos contou uma curiosidade muito curiosa sobre a incrível semelhança entre Brasília e uma cidade egípcia do ano 200 d.C. (se não me engano)... Fiquem curiosos! E Cida nos presenteou com uma leitura de Clarice Lispector, já exercitando seus talentos em leitura dramática e poética. As crianças, a esse tempo, já tinham corrido dali para brincar de pique-esconde. Tirando minha história, tudo ali surgiu no instante, de improviso, refletindo a descontração e a naturalidade de nosso estado de espírito e consagrando nossa roda um espaço de troca.
Daí, chegou Lana, que não mora no Urubu, para adornar nosso encontro com sua presença e sua ginga bonita bem na hora que nos preparávamos para dançar. Dançamos “Olhos que Falam” uma coreografia composta por um homem inspirado na história de um casal de amigos cuja mulher, por alguma razão, perdeu a fala. É uma coreografia muito delicada e cheia de detalhes, boa para aprender em um grupo pequeno.
Chegou, então, a Sol e juntou-se a nós. Dançamos, repetimos, erramos, acertamos e dançamos mais. Já bem escuro e frio, resolvemos parar. Nos abraçamos em Roda. Batemos os pés no chão ritmadamente ao som de uma música africana, nos aterramos... até sentir que era suficiente.
Eu contei uma historinha curta que ouvi a Lili contar certa vez e que posso contar agora. Afinal, quem leu esse texto até aqui, merece. Quando somos bebê, no ventre de nossa mãe, estamos ligados pelo cordão umbilical e vivemos uma relação de receber, que mantemos por muito tempo... Mas chega uma hora que precisamos cortar esse cordão e estabelecer uma nova ligação... com a Mãe Terra, a Pacha Mama, e essa ligação é de receber, mas é também de dar.
Eu reforcei o propósito do Encontro em Roda que é, como diz o próprio nome, um momento para nós da Comunidade (do Urubu e amigos do Urubu) nos encontrarmos. Estava feliz porque cada um dos que estavam presentes eram pessoas que eu encontro bem menos do que gostaria e acho que os outros sentiam o mesmo e, que sendo assim, acredito que o propósito do encontro foi cumprido. Cida disse que foi um encontro doce, com gostinho de cana-de-açucar. Sol mencionou estar feliz com a proposta de termos um espaço para e tão somente nos encontrarmos.
Nos despedimos marcando o próximo Encontro em Roda para o último domingo do mês de maio, dia 30, às 16 horas. Que este encontro seja regado com mais presenças, mas que seja regado, especialmente, com a presença inteira de cada um. Assim poderemos, em comunidade, construir uma ecologia social e uma ecologia humana em par com a ecologia ambiental.
Hampâté Bâ, citado em A palavra do contador de histórias de Gislayne Avelar)
Alegria e Magia
(Pema Chödrön, em Os lugares que nos assustam, pg. 80)
Avesso de bordado
A beleza, porém, está em saber que todo direito da gente tem avesso, ou todo avesso tem seu direito, assim como toda sombra tem sua luz.
(EVA FURNARI - Coleção o Avesso da Gente)
sobre Fábulas
(de Ítalo Calvino, Fábulas Italianas, citado por Regina Machado em Acordais: fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias)
O guardador de rebanhos
Cantiga dos Pastores (Adélia Prado)
guardando nossas vaquinhas,
um grande clarão no céu
guiou-nos a esta lapinha.
Achamos este Menino
entre Maria e José,
um menino tão formoso,
precisa dizer quem é?
Seu nome santo é Jesus,
Filho de Deus muito amado,
em sua caminha de cocho
dormia bem sossegado.
Adoramos o Menino
nascido em tanta pobreza
e lhe oferecemos presentes
de nossa pobre riqueza:
a nossa manta de pele,
o nosso gorro de lã,
nossa faquinha amolada,
o nosso chá de hortelã.
Os anjos cantavam hinos
cheios de vivas e améns.
A alegria era tão grande
e nós cantamos também:
Que noite bonita é esta
em que a vida fica mansa,e
m que tudo vira festa
e o mundo inteiro descansa?
Esta é uma noite encantada,
nunca assim aconteceu,
os galos todos saudando:
O Menino Jesus nasceu!
Texto extraído do suplemento "Folhinha", jornal Folha de São Paulo, edição de 25-12-99, fls.14.
O homem que rezou seriamente para ser alimentado sem ter de trabalhar
(Jalaluddin Rumi, MASNAVI)
Sugestão
serena, isenta, fiel.
Flor que se cumpre,
sem pergunta.
Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.
Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.
Também como este ar de noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos de pétalas.
Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.
À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.
Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.
Não como o resto dos homens.
(Cecília Meireles)